No livro em questão, Paulo Freire tece
uma interessante discussão sobre a pedagogia de uma perspectiva do oprimido.
Ressalta que a luta pela libertação do homem, o qual é, semelhantemente à
realidade histórica, um ser inconcluso, se dá num processo de crença e
reconhecimento do oprimido em relação a si mesmo, enquanto homem de vocação
para “ser mais”. Preconiza um trabalho educativo que respeite o diálogo e a
união indissociável entre ação e reflexão, isto é, que privilegie a práxis.
Um trabalho que não se funde no
ativismo (ação sem reflexão) ou na sloganização (reflexão sem ação) e que não
se funde numa concepção de homem como “ser vazio”.
Em
correspondência a essa concepção de homem como “ser vazio” e, por isso,
dependente de “depósitos” de conhecimento, está, segundo Paulo Freire, a
pedagogia de perspectiva opressora, denominada de “educação bancária”. Pautada
numa comunicação verticalizada, contrária ao diálogo, serve como instrumento de
desumanização e domestificação do oprimido, o qual na sua relação com o
opressor hospeda-o em sua consciência. Ao se referir à teoria antidialógica, o
autor ressalta que a referida teoria tanto traz a marca da opressão, da invasão
cultural camuflada, da falsa “ad-miração” do mundo, como lança mão de mitos
para manter o status quo e manter a desunião dos oprimidos, os
quais divididos ficam enfraquecidos e tornam-se facilmente dirigidos e
manipulados. É em contraposição a pedagogia opressora que Paulo Freire reforça
a imprescindibilidade de uma educação realmente dialógica, problematizadora e
marcadamente reflexiva, combinações indispensáveis para o desvelamento da
realidade e sua apreensão consciente pelo educando. Ademais, “[...] a educação
problematizadora coloca, desde logo, a existência da superação da contradição
educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação dialógica [...] (FREIRE,
2004, p.68)”, não é possível a colaboração entre educador e educando, não é
possível conceber um educador-educando, que se educa no diálogo com o outro, e
um educando-educador. Traz à cena a questão do “ato de dissertar” realizado
pelo educador, que constitui, e isto tanto dentro como fora da escola e em
qualquer nível de ensino, uma prática de dominação, pois se disserta sobre a
realidade como se fosse algo estático e sem vida.
É por meio da dissertação, explica
Paulo Freire, que o “educador bancário” tenta “depositar”, “encher”, o educando
com conteúdos, os quais, comumente, não se relacionam com sua vida,
minimizando, e até mesmo anulando, seu potencial criativo, criticidade e pensar
autêntico. Ao memorizar o conteúdo narrado, ao “arquivar” os “depósitos”, o
educando não está se conhecendo e conhecendo o mundo de modo verdadeiro, não
está desenvolvendo sua consciência crítica, daí Freire (2004, p.72) destaca que
a educação bancária “[...] servindo à dominação, inibe a criatividade e, ainda,
que não podendo matar a intencionalidade da consciência como um desprender-se
ao mundo, a ‘domestica’”.
Em
oposição à educação bancária, o educador-educando se compromete com um conteúdo
programático que não caracteriza doação ou imposição, “[...] um conjunto de
informes a ser depositado nos educandos -, mas a devolução organizada,
sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou
de forma desestruturada” (FREIRE, 2004. p. 83-84). Compromete-se com uma
programação, com conteúdos, que advêm das colocações do povo, de sua
existência, desafiando-o à busca de respostas, tanto em nível de reflexão como
de ação. Em outras palavras, uma prática libertadora, requer que o “[...]
acercamento às massas populares se faça, não para levar-lhes uma mensagem
‘salvadora’, em forma de conteúdo a ser depositado, mas, para em diálogo com
elas, conhecer, não só a objetividade em que estão, mas a consciência que
tenham dessa objetividade; [...] de si mesmos e do mundo” (FREIRE, 2004, p.86).
Desse modo, busca-se juntos, educador e povo, mediatizados pela realidade, o
conteúdo a ser estudado.
Acerca
do operacionalizar a pedagogia de uma perspectiva do oprimido, é preciso,
segundo Paulo Freire, investigar o universo temático do povo. Busca-se,
inicialmente, conhecer a área em que se vai trabalhar e se aproximar de seus
indivíduos, marcando reunião e presença ativa para coletar dados, de modo a
levantar os temas geradores. Estes devem ser organizados em círculos
concêntricos, partindo de uma abordagem mais geral até a mais particular. Tal
operacionalização demanda, ainda, e isso cabe ao educador dialógico, devolver
em forma de problema o universo temático recebido do povo na investigação.
Efetivada
essa etapa e com os dados em mãos, realiza-se um estudo interdisciplinar sobre
os “achados” nos círculos de cultura, a partir dos quais os envolvidos
apreendem o conjunto de contradições que permeiam os temas. Cada envolvido na
investigação temática apresenta um projeto de um dado tema, o qual passa por
discussão e acolhe sugestões. Os projetos servem, posteriormente, de subsídio à
formação dos educadores-educando que trabalharão nos círculos de cultura.
Após
elaboração do programa, são confeccionados materiais didáticos em forma de, por
exemplo, textos, filmes, fotos, entre outros. São preparadas, também, as
codificações de situações existenciais, as quais têm que ser decodificadas pelo
educando e promover o surgimento de uma nova percepção da questão tratada, como
também o desenvolvimento de um novo conhecimento.
Em
retrospecto ao exposto, convém sublinhar que se trata de uma obra que denuncia
os limites de uma educação de ajustamento, ao mesmo tempo em que anuncia a
possibilidade de uma educação humanizadora, “libertadora”, como diria o autor.
Daí a atualidade e relevância de sua leitura pelos educadores das várias áreas
do conhecimento, tanto os que estão em processo de formação acadêmica como
aqueles que já atuam e, também, demais interessados pelas discussões do campo
educacional.
Resenha do livro de Paulo Freire.
Pedagogia ao pé da letra.